Autores:
NARVAI, Paulo Capel
Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Rev. Saúde Pública . 2006, vol.40, n.spe, pp. 141-147.
“A publicação do "Manual de odontologia sanitária",em 1960 por Mário Chaves, marcou profundamente a teoria e a prática das intervenções de saúde pública no campo odontológico no país, influenciou várias gerações, e estendeu sua influência por toda a América Latina. Dois anos depois, a publicação da versão espanhola dessa obra pela Organização Pan-americana da Saúde consagrou a obra definitivamente.”(P-141)
“Segundo Vasconcellos, a Lei n. 1.280, de 19/12/1911, criou os três primeiros cargos de cirurgião-dentista na administração pública paulista. Com isso, iniciou-se o atendimento odontológico público ao efetivo da então Força Pública e aos cidadãos sob custódia do Estado, no âmbito da Secretaria de Justiça e Segurança Pública. Em 1929, profissionais de odontologia passaram a integrar os quadros da Inspeção Médico-Escolar da Secretaria do Interior, então responsável pelas atividades ligadas à educação e à saúde no Estado. Em 1932, após a criação da Secretaria da Educação e da Saúde Pública paulista, instituiu-se a Inspetoria de Higiene e Assistência Dentária no Serviço Sanitário para "atender a população de escolares da rede pública estadual". Vasconcellos assinalou ainda que, com a criação da secretaria estadual de saúde paulista, em 1947, instituiu-se a recomendação de que os centros de saúde contassem com um "Serviço de Higiene Buco-Dentária". Desde então, sucessivos arranjos institucionais marcaram a organização da assistência odontológica pública, tanto em São Paulo como em outras unidades federativas.”(P-142)
“Embora tais profissionais buscassem desenvolver ações educativas, sua prática clínica reproduzia, essencialmente, o que faziam os dentistas nos consultórios particulares. A abordagem era individual e não se lograva realizar um diagnóstico de situação em termos populacionais e, menos ainda, se utilizava qualquer tecnologia de programação resultante de processos de planejamento que considerassem a saúde bucal da população como um todo.”(P-143)
“Tal cenário mudou radicalmente quando, em 1952, o SESP - Serviço Especial de Saúde Pública implementou os primeiros programas de odontologia sanitária, inicialmente em Aimorés, MG, e em seguida em vários municípios do Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil. O alvo principal desses programas era a população em idade escolar, tida como epidemiologicamente mais vulnerável e, ao mesmo tempo, a mais sensível às intervenções de saúde pública. Assim, métodos e técnicas de planejamento e programação em saúde passaram a fazer parte do cotidiano de dezenas de profissionais de odontologia em várias regiões do País.”(P-144)
“ Narvai assinalou que no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial, a proibição do acesso ao consultório odontológico privado à maioria dos cidadãos brasileiros produziu uma discreta, mas significativa ruptura na produção de serviços odontológicos, devido ao surgimento de uma modalidade estatal de produção desses serviços. A odontologia de mercado seguia absolutamente majoritária, mas deixou de ser a única modalidade assistencial neste segmento do setor saúde.”(P-145)
“Segundo Chaves, a odontologia sanitária "é a disciplina da saúde pública responsável pelo diagnóstico e tratamento dos problemas de saúde oral (....) da comunidade", sendo esta entendida como "uma cidade ou parte dela, um estado, região, país ou grupo de países (....). Em qualquer nível, o que é importante é a visão de conjunto da comunidade, tanto mais complexa quanto mais extensa geograficamente e maior a população (....). A idéia de que odontologia sanitária é 'prevenção' ou de que é 'assistência ao indigente, à gestante, ao escolar, ou a qualquer outro grupo', [grifos no original] não tem razão de ser. Odontologia sanitária é trabalho organizado da comunidade, na comunidade e para a comunidade, no sentido de obter as melhores condições médias possíveis de saúde oral." (P-145)
“A principal ferramenta teórica utilizada pela odontologia sanitária para diagnosticar e tratar os problemas de saúde oral da comunidade foi o denominado sistema incremental. Pinto o conceitua como "método de trabalho que visa o completo atendimento dental de uma população dada, eliminando suas necessidades acumuladas e posteriormente mantendo-a sob controle, segundo critérios de prioridades quanto a idades e problemas", assinalando a previsão de "uma ação horizontal por meio de um programa preventivo, o qual controla a incidência dos problemas, e uma ação vertical por meio de um programa curativo, solucionando os problemas prevalentes. Paralelamente, um programa educativo fornece apoio a estas ações". O autor ressalta que, embora usualmente empregado em escolares, por razões operacionais, "sua metodologia geral, com algumas modificações, pode ser facilmente aplicada a outros grupos".(P-146)
“Para Narvai & Frazão, "Saúde Bucal Coletiva é um campo de conhecimentos e práticas [que integra] um conjunto mais amplo identificado como 'Saúde Coletiva' e que, a um só tempo, compreende também o campo da 'Odontologia', incorporando-o e redefinindo-o e, por esta razão, necessariamente transcendendo-o". Para esses autores, a saúde bucal coletiva (SBC) advoga que a saúde bucal das populações "não resulta apenas da prática odontológica, mas de construções sociais operadas de modo consciente pelos homens, em cada situação concreta – aí incluídos os profissionais de saúde e, também (ou até...), os cirurgiões-dentistas. Sendo processo social, cada situação é única, singular, histórica, não passível portanto de replicação ou reprodução mecânica em qualquer outra situação concreta, uma vez que os elementos e dimensões de cada um desses processos apresentam contradições, geram conflitos e são marcados por negociações e pactos que lhes são próprios, específicos". Tal concepção implica (e, num certo sentido, impõe) à SBC uma ruptura epistemológica com a odontologia (de mercado), cujo marco teórico assenta-se nos aspectos biológicos e individuais – nos quais fundamenta sua prática – desconsiderando em sua prática essa determinação de processos sociais complexos.”(P-146)
“É preciso que os envolvidos com a produção desses conhecimentos, e os gestores da área, não apenas conheçam esse conjunto de proposições, como o levem em consideração ao definir uma agenda para a saúde bucal coletiva coerente com as necessidades daqueles cujas vontades se expressaram democraticamente na 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal.”(P-147)
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